Nos últimos anos, com a contínua sofisticação e aperfeiçoamento dos métodos de captura de neuroimagens, cada vez mais estudos científicos começaram a descobrir a existência de diferenças físicas na organização do cérebro de pessoas que gaguejam. Até pouco tempo atrás, a grande dúvida era saber se essas diferenças eram resultado do convívio com a gagueira ou se elas já estavam presentes desde a infância, atuando como fator de predisposição e deflagração do distúrbio. Dois estudos recentes ofereceram respostas para esta dúvida. A pesquisadora Kate Watkins, autora do texto abaixo, é a líder de um desses estudos.
No começo deste ano, dois grupos de pesquisa sobre gagueira publicaram estudos de neuroimagem em jovens adultos, adolescentes e crianças que gaguejam. Esses estudos revelaram anormalidades funcionais e estruturais no cérebro dessas pessoas. O objetivo deles era fornecer um melhor entendimento das causas da gagueira e ajudar a explicar por que algumas crianças recuperam-se da gagueira, enquanto outras continuam a gaguejar. Considerando o resultado dos dois estudos em conjunto, estamos começando a responder estas perguntas.
Em nosso artigo, publicado na revista Brain, descrevemos diferenças na organização física das conexões entre algumas áreas do cérebro em um grupo de adolescentes e pessoas jovens que gaguejam (com idade variando de 14 a 27 anos). Essas diferenças explicaram por que este grupo de pessoas exibia uma atividade reduzida em algumas regiões do córtex cerebral durante a produção de fala.
Outro grupo de pesquisadores (Chang et al.) publicou descobertas muito similares na revista NeuroImage. Estudando crianças na faixa etária de 9 a 12 anos, eles descobriram que, no grupo com gagueira persistente, as conexões de matéria branca estavam rompidas na mesma região identificada em nosso estudo. Já no grupo constituído por crianças que tinham se recuperado da gagueira, a matéria branca estava íntegra. Eles também encontraram mudanças no volume da matéria cinzenta cortical, tanto em crianças com gagueira persistente quanto em crianças que tinham se recuperado da gagueira, e apontaram diferenças em relação ao cérebro de adultos que gaguejam.
Imagens obtidas pelo estudo de difusão de Watkins. A primeira imagem mostra o padrão de atividade durante a produção de fala no grupo-controle fluente (laranja) e no grupo de pessoas jovens que gaguejam (azul). A segunda imagem mostra as regiões subjacentes de matéria branca (em laranja) nas quais pessoas que gaguejam apresentam uma ruptura nos tratos de fibras nervosas logo abaixo das áreas corticais que não estão ativadas.
Esses estudos usaram aparelhos modernos de ressonância magnética, que fornecem imagens mais detalhadas da estrutura do cérebro com base no movimento dos átomos de hidrogênio das moléculas de água. Tanto em nosso estudo quanto no de Chang, utilizou-se um novo tipo de ressonância, conhecido como imageamento por tensor de difusão (DTI ressonance), para investigar a organização das conexões de matéria branca no cérebro.
A matéria branca é responsável pela conexão entre as diversas áreas do sistema nervoso central. Ela é chamada de branca porque é constituída principalmente por um tecido gorduroso conhecido como mielina. Este revestimento gorduroso fornece isolamento para as fibras que conectam as diferentes regiões do cérebro e também aumenta a velocidade de transmissão dos sinais elétricos entre essas regiões. Em razão de o tecido ser gorduroso, as moléculas de água não têm liberdade total de movimento na matéria branca. A restrição para a mobilidade das moléculas ocorre principalmente na direção perpendicular ao feixe de fibras, e menos na direção longitudinal (ao longo do comprimento do feixe). Assim, ao medir os diminutos movimentos das moléculas de água, podemos obter imagens que mostram como as fibras estão orientadas.
Ambos os estudos descobriram que os feixes de fibras normalmente bem alinhados que conectam as áreas do cérebro envolvidas na produção de fala estavam rompidos em pessoas jovens que gaguejam. Esta ruptura provavelmente reduz a eficiência da comunicação entre as áreas envolvidas no processamento da fala.
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