Pessoas que gaguejam integram som e movimento em parte diferente do cérebro, revela novo estudo.
Ouvir Mozart em alto volume enquanto se recita Shakespeare pode
suprimir momentaneamente a gagueira em pessoas que possuem o distúrbio. O
fenômeno, mostrado no filme vencedor do Oscar 2011 (veja figura),
não foi usado na história apenas como um mero recurso de ficção. Apesar
de efêmero, o efeito quase miraculoso obtido a partir do mascaramento
auditivo – nome dado à estratégia clínica de indução de fluência em que a
pessoa que gagueja fica impedida de escutar o som da própria voz – é
real e indica que a integração das funções auditiva e motora desempenha
um papel chave na fluência (ou disfluência) da fala.
Lionel Logue aplicando a técnica do mascaramento auditivo em Bertie em cena do filme O Discurso do Rei.
Efeito obtido com a técnica não é ficcional e indica que a integração
das funções auditiva e motora desempenha um papel chave na fluência (ou
disfluência) da fala. (clique p/ ampliar)
Ao investigar como se dá a integração auditivo-motora no cérebro de
pessoas com gagueira, uma nova pesquisa descobriu algo revelador: em
adultos que gaguejam desde a infância, os processos que integram som e
movimento estão localizados em uma parte diferente do cérebro quando os
comparamos com adultos que não gaguejam. A surpreendente descoberta foi
publicada na edição de setembro de 2011 da revista científica Cortex.
Dra. Nicole Neef e Dr. Martin Sommer
da Universidade de Göttingen, juntamente com a Dra. Bettina Pollok da
Universidade de Duesseldorf, estudaram o desempenho de um grupo de
adultos que gaguejam, bem como de um grupo controle de adultos que não
gaguejam, em um exercício de bater os dedos das mãos em sincronia com um
som. Eles então usaram estimulação magnética transcraniana para
interferir temporariamente com a atividade cerebral no córtex pré-motor
dorsolateral (v. fig.) enquanto os participantes batiam os dedos em sincronia com os cliques que estavam ouvindo.
No grupo controle, a perturbação do córtex pré-motor esquerdo prejudicou a sincronia das batidas, mas a perturbação do córtex pré-motor direito não teve nenhum efeito sobre a tarefa. No grupo de adultos com gagueira, o padrão foi invertido: a precisão da batida foi afetada quando o córtex pré-motor direito estava sendo perturbado; perturbar o lado esquerdo não interferiu na execução da tarefa.
Pesquisas anteriores já haviam mostrado que a gagueira estava relacionada a um fluxo de sangue maior que o normal nas áreas motoras e pré-motoras do hemisfério direito durante a fala. Neste novo estudo, a mudança no local de integração das funções auditiva e motora para o lado direito do cérebro ocorreu mesmo em uma tarefa que não envolvia diretamente a fala.
Assim,
no cérebro de adultos que gaguejam, parece ter ocorrido uma profunda
reorganização de algumas redes neurais, possivelmente compensando sutis
alterações na matéria branca nas regiões frontais inferiores do
hemisfério esquerdo do cérebro – o hemisfério naturalmente habilitado a
processar fala.
Nas palavras dos autores do estudo:
“Esta
descoberta indica uma extensa reconexão neuronal das funções
relacionadas à temporalização do movimento em pessoas que gaguejam,
dando suporte à hipótese de uma abrangente reorganização
neurofisiológica do sistema de controle motor em pessoas que gaguejam.
Uma vez que, antes do uso de estimulação magnética transcraniana, o
desempenho de ambos os grupos na tarefa não diferiu, sugerimos que o
envolvimento aumentado do córtex pré-motor dorsolateral direito em
pessoas que gaguejam, ao invés de ser um processo contra-adaptativo,
representa na verdade um processo de compensação.”
Este estudo lança mais luz sobre a extensão das alterações cerebrais
na gagueira do desenvolvimento persistente, mostra que o distúrbio
possui assinaturas neurológicas muito distintas e também evidencia que,
futuramente, será possível refinar o diagnóstico da gagueira através de
exames que vão além da análise da fala do paciente.
Veja a entrevista com o Neurocientista MARTIN SOMMER
www.gagueiraonline.com.br
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