Introdução
Louise Bérubé [1] define as atividades
nervosas superiores ou funções cerebrais superiores como as capacidades
que mobilizam: (a) um sistema de organização da informação perceptual,
(b) a rememoração da aprendizagem anterior, (c) os mecanismos
córtico-subcorticais que sustentam o pensamento e (d) a capacidade de
tratar duas ou mais informações ou eventos simultaneamente. Estas
características separam nossa espécie das demais porque no homem elas
alcançaram um desenvolvimento tal que lhe permite, em boa medida,
modificar o ambiente e as circunstâncias em que vive de tal forma como
nenhuma outra espécie o faz. Até onde sabemos, o animal mais próximo
neste sentido é o chimpanzé, que é apto para ajudar-se com um pau com o
objetivo de alcançar um fruto. Se esta atitude o aproxima
qualitativamente do homem, a diferença quantitativa continua sendo
abismal a favor deste último. Esta propriedade se inicia
filogeneticamente faz uns oito milhões de anos, mediante sucessivas
evoluções; progressivamente, e em um lapso temporal relativamente curto,
houve um aumento da sua capacidade craniana até que o homem atual
possui cerca de três vezes aquela capacidade original. Provavelmente
este desenvolvimento decorreu da necessidade de responder adequadamente a
ambientes hostis e prover-se de diferentes alimentos. As funções
cerebrais superiores cresceram em paralelo com o aumento do tamanho
cerebral e terminaram conferindo à nossa espécie as particularidades que
hoje a caracterizam e a diferenciam das outras espécies [2].
O córtex cerebral é o assento
anátomo-funcional das mais importantes funções intelectuais ou
superiores do indivíduo. O córtex não só contém os corpos neurais
principais que suportam as funções consideradas “simples” (em
contraposição às superiores), como as motoras, sensitivo-motoras,
auditivas ou visuais, mas também integram funções muito elaboradas como a
memória, a linguagem, o raciocínio abstrato ou atividades gestuais. As
funções cerebrais superiores não se encontram localizadas em centros
isolados do cérebro, mas se acham integradas em grupos de regiões que
formam uma rede cerebral baseadas em interconexões neurais, isto é, as
funções cerebrais têm uma distribuição interconectada, formando uma rede
integrada. Ao contrário das funções chamadas inferiores que têm centros
ou áreas mais definidas, tais como a mobilidade, sensibilidade, área
visual etc. Ainda que, cada vez fique mais evidente que o córtex
cerebral não funciona como área autônoma, mas sim como um todo integrado
e relacionado com estruturas sub-corticais, não é menos certo que em
situações patológicas, lesões muito seletivas de áreas ou zonas críticas
produzem manifestações específicas e/ou quase específicas, recordemos,
aqui, a lesão na base da terceira circunvolução frontal que produz
alteração específica que se denomina “afasia motora de broca”.
Funções cerebrais superiores:
1. Praxia [2]
É a capacidade de executar movimentos aprendidos, simples ou complexos, em resposta a estímulos apropriados, visuais ou verbais (ex. linguagem gestual, execuções musicais, representações gráficas, habilidades motoras etc.). Apraxia
é impossibilidade de executar tais movimentos coordenados, embora não
haja comprometimento da motricidade e da sensibilidade, ou seja, do
sistema executor. Neste caso, a deficiência está nos planejadores (responsáveis pelas seqüências de comandos que produzem os movimentos voluntários complexos) e/ou nos controladores
(que zelam pela execução correta dos comandos motores) do SNmotor.
Dependendo do tipo de apraxia, podem-se encontrar lesões nos córtices
temporais, parietais, occipitais e/ou corpo caloso.
2. Gnose [2]
É conhecimento obtido por meio da
elaboração de experiências sensoriais. Cada experiência se confronta com
outras já adquiridas, e desta confrontação surge o reconhecimento de
aspectos comuns e particulares que a singularizam. As agnosias
(dificuldade de realizar tal função) são classificadas segundo o canal
sensorial que se utiliza. Por exemplo, dificuldade ou incapacidade de
reconhecer (1) objetos pelo tato – Agnosia Tátil ou Asteriognosia; (2) ruídos, palavras ou música – Agnosia Auditiva; ou ainda, (3) a Agnosia Somestésica,
caracterizada pela falta de reconhecimento de partes do seu próprio
corpo ou mesmo partes inteiras do espaço extra-corporal. Tais agnosias
geralmente apresentam-se em pacientes com lesões do lóbulo parietal. Já
as lesões parieto-occipitais (uni ou bilaterais) provocam as Agnosias Visuais as quais implicam, fundamentalmente, falhas ou defeitos no reconhecimento de objetos ou imagens.
3. Linguagem e Fala [2]
A linguagem é um código de sons ou
gráficos que servem para a comunicação social entre os seres humanos;
qualquer meio sistemático de comunicar idéias ou sentimentos através de
signos convencionais, sonoros, gráficos, gestuais etc. A linguagem é
formada por 3 componentes básicos: gramática, semântica e sintaxe. A gramática
é o componente que organiza os elementos, como os fonemas, morfemas,
palavras, frases etc. e os processos de formação, construção, flexão e
expressão desses elementos. A semântica é o componente da linguagem que dá significado às palavras; e a sintaxe
é o componente do sistema lingüístico que determina as relações formais
que interligam os constituintes da sentença, atribuindo-lhe uma
estrutura. O assento anátomo-funcional da linguagem está no hemisfério
esquerdo em 98% dos destros e em 70% dos canhotos. A atividade
majoritária da linguagem se concentra nas chamadas Zonas de Broca,
Wernicke, Exner, e supramarginais. Investigações com Ressonância
Magnética Funcional demonstraram que também na linguagem ordinária há
alguns componentes que são processados no hemisfério direito sobretudo o
“tom humoral” e o “tom afetivo”. As afasias (ou agnosia verbal) são
caracterizadas pela perda ou transtorno da produção (afasia de expressão tipo broca), compreensão (afasia de compreensão ou de wernicke), ou ambas as coisas (afasia total ou global), da linguagem falada ou escrita. Ou ainda, dificuldade para nomear os objetos (afasia nominativa) ou incompreensão da fala de seus interlocutores (afasia receptiva).
4. Atenção
É um mecanismo de focalização dos canais
sensoriais ou cognitivos; capaz de facilitar a ativação de certas vias
ou regiões cerebrais de modo a colocar em 1º plano a sua operação, e em
2º plano a operação de outras regiões. A atenção sensorial ou percepção seletiva
se dá quando focalizamos a atividade cerebral em estímulos sensoriais
(um ruído, uma luz); este mecanismo funcionaria como um facilitador da
respostas neurais que ocorrem tanto nas áreas sensoriais quanto nas
áreas associativas. Quando a atividade cerebral é focalizada em um
processo mental, como um cálculo matemático, uma lembrança, um
pensamento, ela é denominada atenção mental ou cognição seletiva.
Este mecanismo funcionaria como modulador das informações processadas
pelo córtex pré-frontal dorsolateral e seria realizado prioritariamente
pelo córtex cingulado anterior (ver funções executivas
mais adiante). Comprometimentos pré-frontais e parietais posteriores de
distinta etiologia podem levar a uma deficiência atencional
(hipoprosexia) caracterizada clinicamente pela facilidade e freqüência
com a qual estímulos irrelevantes interferem no processo atencional.
5. Memória
A memória se define como a faculdade do
cérebro que permite registrar experiências novas e recordar outras
passadas. Dito em outros termos, é a capacidade de incorporar, armazenar
e evocar informações de forma clara e efetiva.
Se podem distinguir três fases ou
seqüências: (a) aprendizagem: recepção e registro da informação, (b)
armazenamento (ou consolidação): computa sua codificação cerebral e (c)
recordação: evocação e reconhecimento das informações outrora
armazenadas.
A. Memória Imediata Também chamada de memória de curto prazo ou memória de trabalho.
Este tipo de memória mantém durante alguns segundos, no máximo alguns
minutos, a informação que está sendo processada no momento; sua
capacidade é limitada (aproximadamente sete itens) e as informações são
mantidas por processos de atenção e ensaio. Esta espécie de memória
diferencia-se das demais por não deixar traços e não produzir arquivos. A
memória imediata é processada, fundamentalmente, pelo córtex
pré-frontal (porção mais anterior do lobo frontal).
B. Memória Operacional Também chamada de memória de curta-duração ou memória de trabalho ou memória recente.
Este tipo de memória retém as informações durante um período de tempo
cuja duração é determinada pelo lapso temporal interposto entre o
momento da aquisição da informação e aquele no qual sua evocação deixa
de ser útil ou necessária; sua capacidade não é limitada a um número
específico de itens. Este gênero de memória deixa traços e produz
arquivos os quais, em determinado momento, podem ser “apagados” ou então
“transferidos” definitivamente para o sistema de memória de longo
prazo. Esta classe de memória depende dos respectivos sítios de
processamento sensoriais – de acordo com a origem perceptual da
informação – e de estruturas do lobo temporal, em especial da formação
hipocampal além dos corpos mamilares (diencéfalo).
C. Memória de Longo Prazo Também chamada de memória remota.
Este é um sistema de memória permanente. As informações são armazenadas
após o processo de consolidação. Fazem parte deste sistema os
subsistemas: declarativo ou explícito e o não-declarativo ou implícito.
C.1. Memória Declarativa ou Explícita:
Neste sistema existe acesso consciente ao conteúdo da informação, onde
são armazenadas as informações sobre as pessoas, os lugares e os eventos
da vida diária. O processo de consolidação das informações depende das
estruturas do lobo temporal medial (hipocampo, o córtex entorrinal, o
córtex parahipocampal e o córtex perirrinal), diencéfalo e respectivos
sítios de processamento sensoriais; é o tipo de memória prejudicada nos
pacientes amnésicos. Este sistema está subdividido em: Memória Episódica: reúne as memórias para eventos, sendo autobiográfica e Memória Semântica: reúne as memórias para fatos e conhecimentos gerais acerca do mundo.
C.2. Memória Não-Declarativa ou Implícita: Também chamada de memória de procedimento ou procedimental.
As informações deste sistema são adquiridas gradualmente ao longo de
diversas experiências; As informações processadas neste sistema resultam
da experiência, porém, a evocação é expressa como uma mudança no
comportamento, não como uma lembrança (recordação); sendo assim, só pode
ser evidenciada por meio do desempenho. Depois de tornada automática,
não há acesso consciente ao conteúdo da informação e o processo é
independente da atenção. O processo de consolidação não depende das
estruturas do lobo temporal, mas sim da repetição da tarefa, o que
provoca a ativação repetida nos sítios de processamento sensoriais. Os
subsistemas da memória não-declarativa estão associados a diferentes
estruturas do sistema nervoso: habilidades e hábitos associam-se aos
núcleos basais, pré-ativação ao neocórtex, condicionamento clássico
simples relaciona-se à amígdala nas respostas emocionais e ao cerebelo
nas respostas da musculatura esquelética, a aprendizagem
não-associativa, por seu turno, vincula-se às vias reflexas.
Amnésia é a
incapacidade parcial ou total de reter e evocar informações. Qualquer
processo que interfira com a formação de uma memória a curto-prazo ou a
sua fixação em memória de longo prazo resulta em amnésia. Amnésia
Retrógrada (Distúrbio de Evocação): Incapacidade de recordar
acontecimentos ocorridos antes do estabelecimento do distúrbio. Amnésia
Anterógrada (Distúrbio de Retenção): Incapacidade de armazenar novas
informações. Pessoas que tenham lesões nas estruturas temporais mediais
apresentam a chamada amnésia orgânica, ou síndrome amnésica ou amnésia
do LTM:
· Caracterizada por uma amnésia anterógrada.
· Amnésia retrógrada em graus variados,
mas restrita aos anos, meses ou dias que antecederam o agente amnésico; a
memória para eventos remotos se mantém intacta.
· Deficiência na formação de novas memórias: memória operacional e memória declarativa (episódica e semântica).
· As memórias não declarativas e a memória imediata estão preservadas.
6. Funções Executivas ou Funções Intelectuais Superiores
O termo funções executivas (FE) designa
os processos cognitivos de controle e integração destinados à execução
de um comportamento dirigido a objetivos, necessitando de
sub-componentes como atenção, programação e planejamento de seqüências,
inibição de processos e informações concorrentes e monitoramento. São
funções de mais alta hierarquia e estão asseguradas pelo funcionamento
normal dos lóbulos frontais com os setores multimodais da parte
posterior do cérebro.
O lobo frontal, particularmente a região
pré-frontal, tem sido relacionado com essas funções. O córtex
pré-frontal (situado anteriormente às regiões motoras) ocupa cerca de ¼
do córtex humano, o que em termos relativos representa a maior proporção
entre todos os animais. O CPF estabelece conexões recíprocas com
praticamente todo o encéfalo: todas as áreas corticais, vários núcleos
do tálamo e núcleos da base, o cerebelo, a amígdala, o hipocampo e o
tronco encefálico. Tal variedade de conexões possibilitaria tal região a
exercer funções de controle coordenação geral das funções mentais e do
comportamento. Pode-se reconhecer três grandes regiões funcionais; cujo
funcionamento conjunto seriam responsáveis pelas atividades intelectuais
superiores (ver Figura 1):
(A) a região dorsolateral (CPFdorsolateral) [DL],
recebe informações que entram através dos sistemas sensoriais e chegam a
ele por meio de abundantes conexões aferentes provenientes das áreas
corticais sensoriais e associativas; sua função seria de comparar as
informações novas com aquelas armazenadas na memória de longo-prazo.
(B) a região cingulada anterior (córtex cingulado anterior) [CA] seria o responsável pela focalização nas informações que chegam ao CPF dorsolateral (atenção mental ou cognição seletiva), ou seja, ele filtraria ou modularia informações processadas pelo CPF dorsolateral.
(C) a região ventromedial [VM],
encarregado de adequar os dados do presente que vêm sendo processados
pelo CPFdorslateral, com os objetivos de longo, médio e curto prazo
estabelecidos pelo indivíduo, e com as demais circunstâncias pessoais e
sociais envolventes. Assim, o CPFventromedial seria responsável pelo
planejamento dos comportamentos necessários para a concretização dos
objetivos, estaria envolvido com o planejamento de ações, do raciocínio e
com o ajuste social do comportamento em conjunto com o córtex
órbito-frontal [OF].
Envelhecimento [3]
1. O número de neurônios começa a
diminuir a partir dos 30 anos. O número perdido, todavia, é somente uma
pequena porcentagem do número total de células encefálicas, e não
prejudica as funções cognitivas.
2. A velocidade de condução do impulso
diminui ao longo de um axônio; quantidades de neurotransmissores são
reduzidas; o número de locais receptores diminui nas sinapses. Essas
alterações resultam em uma progressiva lentidão das respostas e dos
reflexos.
3. Enquanto uma diminuição da memória de
curto prazo pode causar alguns esquecimentos, a maior parte da memória –
o estado de alerta, as funções intelectuais e a criatividade –
permanece intacta. Alterações graves das funções cognitivas geralmente
se devem a doenças relacionadas com a idade, como a arterioesclerose; ou
ainda, a Doença de Alzheimer, doença degenerativa do encéfalo que
ocorre geralmente em pessoas idosas. Essa doença é caracterizada pela
perda progressiva da memória e prejuízo da função intelectual.
Evidências sugerem atrofia encefálica, especialmente dos lobos frontal e
temporal.
Referências Bibliográficas
[1] Louise Bérubé (1991). En terminologie de neuropsychologie et de neurologie du compartament. Montreal: Les Edicions de la Cheneeliére Inc.
[2] Roberto Rodríguez Rey (2004). Funciones Cerebrales Superiores.
Facultad de Medicina – Universidad Nacional de Tucumán – Argentina.
http://www.fm.unt.edu.ar/ds/Dependencias/Neurologia/Funciones%20Cerebrales%20Superiores2.PDF
(acessado em 31/05/2008).
[3] Herlihy, B. & Maebius, NK. (2002). Anatomia e Fisiologia do corpo humano saudável e enfermo. Barueri: Ed. Manole.
Bibliografia
Lent, R (2001). Cem Bilhões de Neurônios – Conceitos fundamentais de neurociências. São Paulo: Editora Atheneu.
Bear, MF; Connors, BW & Paradiso, MA (2002). Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 2.ed, Porto Alegre: Editora Artmed.
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